sábado, fevereiro 28
Um filme para não leitores
sexta-feira, fevereiro 27
És mesmo tu?

Ondjaki- Materiais Para Confecção de Um Espanador de Tristezas

Recebeu o Grizane for Africa 2008 pelo conjunto da sua obra.

Sonhei que estava enamorado pela palavra antigamente.
Eu sorria muito nesse sonho – fossem gargalhadas. Aproveitei a ponta desse sorriso e fiz um escorrega. Deslizei. Tombei no início de uma manhã.
Pensei ver duas borboletas mas [riso] eram duas ramelas. Do. [a partir do tom amarelado das ramelas é possível apalpar manhãs.]
então vi: nos dedos, na pele do corpo por acordar, estavam manchas muito enormes: eram manchas de infância. Gosto muito desse tipo de varicela.
Autor: Ondjaki
Título: Materiais Para Confecção de Um Espanador de Tristezas
Editora: Caminho
ISBN:9789722120298
Pvp: 10.50 €
Num lançamento cheio de sotaque (angolano, brasileiro, português) e muito pouco formal com a apresentação do livro por Ana Paula Tavares e Zeferino Coelho, deu-se a coincidência de estarem entre o público, outros dois escritores de língua portuguesa que mais tarde se juntaram à mesa: José Eduardo Agualusa e João Paulo Cuenca.
quinta-feira, fevereiro 26
Faleceu livreiro português opositor ao regime salazarista
Censura nos livros

A propósito da apreensão de alguns exemplares de um livro da Teorema com um quadro do pintor Coubert na capa, recupero um post que escrevi aqui há um ano, julgando eu, ingenuamente, que a censura nos livros não passava, nos dias de hoje, de pura ficção.
Com a instauração da inquisição em Portugal pela bula "Cum ad nihil magis", de 23 de Maio de 1536, proibia-se o ensino da religião judaica entre os "Cristãos-novos" e o uso das Sagradas Escrituras " sem ser em latim. Passaram a existir três entidades censoras: censura do Santo Oficio, censura régia (ou do Desembargo do Paço) e censura do ordinário.
Em 2 de Novembro de 1540, o cardeal D. Henrique, nomeado Inquisidor-mor por D. João III, dava ao Prior da Ordem de São Domingos a autoridade para verificar o tipo de livros vendidos em livrarias públicas ou privadas, além de proibir a impressão de qualquer livro sem examinação prévia. Em 1559 foi criado o “Index Librorum Prohibitorum ”, o livro dos livros proibidos.
Desde aí e mesmo antes, com maior ou menor incidência, sempre existiu censura à liberdade de expressão em Portugal, como todos sabemos, até ao 25 de Abril de 1974.
Não sou felizmente desse tempo, no entanto, ainda conheci alguns livreiros que durante o Estado Novo e à sua maneira, vendendo por baixo do balcão livros proibidos, minimizavam os efeitos da censura. Lembro-me de Sr. Fernando Fernandes da livraria Leitura no Porto e em Lisboa o Sr. Barata da livraria com o mesmo nome.
Ao reflectir sobre este assunto pensei: Como nós livreiros recusando determinados tipo livros poderemos estar de alguma forma a fazer censura. E que deve ter havido livreiros que ao contrário dos exemplos dados, pactuavam com os regimes autoritários. Imaginei como seriam esses livreiros para com os seus clientes, transportando para os dias de hoje, uma possível conversa num Portugal ainda com censura.
Cliente: Gostaria de adquirir o “Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago.
Livreiro: Desculpe, mas não vendo propaganda comunista.
Cliente: Então queria o “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen
Livreiro: Não vendo mexericos.
Cliente: E “O Crime do Padre Amaro” de Eça de Queirós?
Livreiro: Pornografia muito menos.
Cliente: Calculo que também não venda “Henry & June” de Anaïs Nin?
Livreiro: Esses senhores só pensavam em porcaria e eram imorais. Um livro impróprio para uma senhora.
Cliente: Claro! Tem toda a razão. Talvez um clássico o “Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas.
Livreiro: Esse livro tem implícito, pelo menos três pecados mortais: A inveja a ira e a luxúria.
Cliente: O “Fim da Fé”, “Deus não é Grande” ou “A Desilusão de Deus”, estes estão fora de questão…?
Livreiro: Blasfémias! E se os vendesse seria sacrilégio.
Cliente: Está difícil…saiu agora um livro sobre Barack Hussein Obama?
Livreiro: Não conheço, mas com esse nome só pode ser contra a minha religião.
Cliente: Bem… então quero um livro completamente inócuo e que não faz mal a ninguém “A História do Sporting”, não concorda?
Livreiro: Esse até poderia ser… mas acontece que sou do Benfica e recuso-me.
Cliente: Afinal de contas, tem algum livro que me possa vender?
Livreiro: Tenho sim, o novo “Index Librorum Prohibitorum”
Nota: Todos os livros sugeridos para leitura encontram-se disponíveis na Pó dos Livros, excepto o último por razões óbvias.
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Jaime Bulhosa
quarta-feira, fevereiro 25
Lançamento - Materiais Para Confecção de Um Espanador de Tristezas
segunda-feira, fevereiro 23
Os melhores vendedores do mundo

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Isabel Nogueira
sábado, fevereiro 21
Anda um livro a falar no Twitter
sexta-feira, fevereiro 20
O Japão é um lugar estranho - Peter Carey

Foi o que aconteceu ao escritor australiano Peter Carey e, se me permitem uma confissão pessoal, o que me aconteceu a mim. É essa a dupla razão de ser deste livro. O Japão É Um Lugar Estranho não existiria nesta edição sem o que eu aprendi com o meu.
Charley e Alexandre, pelas minhas contas, terão aproximadamente a mesma idade. Terá sido também pela mesma altura que viram pela primeira vez O Verão de Kikujiro, o filme de Takesshi Kitano, que é um comovente road movie japonês de uma criança à procura da mãe. Na mesma fase da vida, por volta dos 12 anos, Charley e Alexandre começaram a dedicar-se à manga e ao anime, apesar da insistência dos respectivos pais para que lessem literatura «séria». Em ambos os casos, foram os filhos a arrastar os pais para um interesse pela cultura japonesa, que os levaria a planear uma viajem ao Japão.
Tema: Literatura de Viagens
quinta-feira, fevereiro 19
Livreiro espécie em vias de extinção?

Se definirmos os livreiros apenas como aqueles que negoceiam em livros, então, existem muitos. Mas se definirmos o livreiro como aquele que gosta, conhece, lê, divulga e vende livros, então, existem muito poucos. O livreiro é um autodidacta, não há nenhum curso que o possa formar. Isto é, claro que se pode e deve dar formação a uma pessoa que quer trabalhar numa livraria ou que, enquanto gestor ou empresário, pretende criar uma, no entanto, ser livreiro é outra coisa. Ser livreiro é muito mais do que simplesmente vender livros (para isso existem vários truques), tem de saber dignificá-los, amá-los, conhecer a sua história, saber o interior de muitos, interessar-se por quem os escreve e por que os escreve daquela maneira. Tem de conhecer toda a cadeia do livro, desde que nasce na mão do autor até chegar à mão do leitor, tem de saber vendê-lo honestamente, divulgá-lo, incentivar a leitura, só assim, poderá reivindicar para si um papel importante como agente cultural.
Uma lista curta (como necessariamente tem de ser) de livreiros cujo trabalho conheço, para saber onde encontrá-los quando necessitar de ajuda especializada (perdoem-me aqueles que não cito):
Antero Braga – Livraria Lello, Porto
Carlos Loureiro e Débora Figueiredo – Pó dos Livros, Lisboa
Duarte Nuno Oliveira e Caroline Tyssen – Livraria Galileu, Cascais
Helena Girão Santos – Fonte de Letras, Montemor-o-Novo
Helena Veloso, Maria João Lobato, Sofia Afonso – 100.ª Página, Braga
Isabel Castanheira – Livraria Loja 107, Caldas da Rainha
João Paulo Pinheiro – Livraria Férin, Lisboa
quarta-feira, fevereiro 18
Pensamento do dia
Livreiro anónimo do Séc. XVIII
Nota: Casar os livros é o termo usado pelos livreiros que significa empilhar os livros que é como quem diz, pô-los uns em cima dos outros.
terça-feira, fevereiro 17
A imaginação de uma criança
O Vasco ainda não sabe ler, por isso eu leio-lhe de vez em quando um livro em voz alta. Gosto da alegria com que ele aceita esses dez minutos de entretenimento. Gosto de revisitar livros que já tinha lido aos mais velhos. Gosto quando o Vasco me pergunta o significado das palavras. Gosto quando me pergunta qual é o mais forte, se o Vento se o Sol.
Jaime Bulhosa
«Ler um livro... a partir dos seis meses de idade. Sabemos hoje que o desenvolvimento das potencialidades de uma criança que a vão tornar mais capaz em termos de linguagem, de leitura e de escrita, se processa desde o primeiro ano de vida.
Por isso, todas as oportunidades de cantar, contar histórias, fazer puzzles, garatujar, pintar, ou ler livros, são decisivas para o seu futuro.
Na verdade, a partir dos seis meses de idade as crianças começam a interessar-se por figuras e imagens e a associá-las a sons. É por isso que a partir desta idade se devem introduzir os primeiros livros (feitos de materiais seguros, como cartão grosso, esponja, pano ou de plástico), que devem conter figuras simples, coloridas e facilmente identificáveis. O adulto deve introduzir o jogo de apontar e nomear a figura, associando uma imagem e um som.
A introdução precoce dos livros infantis e adequando sucessivamente a técnica de leitura e o tipo de livros às diversas idades fomenta a familiaridade com o objecto livro e do seu manejo tornando-o numa referência quotidiana.
No que se refere ao conteúdo, diversifica e amplia a linguagem utilizada com a criança, amplia a realidade, estimula a imaginação, a associação de ideias, a capacidade de concentração, ajuda a lidar com emoções e medos, transmite regras e sistemas de valores. O livro é também uma ponte emocional entre as crianças e os adultos, ajudando-os a interagir e a estar juntos, ajuda a criar um ambiente de segurança; contribuindo para a vivência do livro como algo emocionalmente compensador e pode pertencer ao ritual de transição na hora de dormir.
A idade com que se inicia a leitura de livros às crianças é um factor que decididamente favorece o desenvolvimento da linguagem e do interesse e prazer que aquelas terão nessa actividade no futuro.
A estimulação precoce com livros e a interacção com os adultos no ambiente familiar está associada a um maior desenvolvimento da linguagem, a um maior interesse precoce por livros e a um desenvolvimento de aptidões essenciais para o futuro da criança.
Por isso a leitura de livros em voz alta às crianças (e a partir dos seis meses de idade), é a tarefa individual com mais impacto na capacidade de leitura e de adaptação escolar.
O grau de literacia relaciona-se directamente com os anos de sobrevivência, com a capacidade de entender mensagens na área da saúde, com a auto-estima, com a capacidade de melhorar os estilos de vida, de auto-manejo nas doenças crónicas, etc
Por estas razões, não se esqueça de ler uma história ao seu filho(a) todos os dias. Poucos gestos tão simples têm tão grande repercussão. Por isso ler às crianças é uma recomendação do seu médico. Porque a educação faz bem à saúde.
Os médicos que trabalham com crianças (Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral, Sociedade Portuguesa de Pediatria), em parceria com o Plano Nacional de Leitura e em articulação com a DGS e o Alto Comissariado para a Saúde, estão a elaborar um projecto de promoção da literacia precoce.»
SPP "Sociedade Portuguesa de Pediatria"
Projecto "Ler+ dá saúde"
"O mundo é a rua da tua infância"*

Editora Cavalo de Ferro vai manter-se independente?
segunda-feira, fevereiro 16
LC Smith & Corona Typewriter Inc. (1912)

Quase consigo ouvir o som do bater das teclas, ao ritmo do coração de uma jovem mulher, compondo cartas de amor; ou melhor, quase consigo ouvir um soldado desconhecido, levado à força para França para combater na Batalha de La Lys, escrevendo à revelia dos seus superiores, para além das ordens de serviço, cartas de saudade e relatos tremidos dos horrores da Primeira Grande Guerra.
Mais do que a beleza e a raridade de uma peça de antiquário, o que me atrai nela é poder imaginar as possíveis histórias dos seus originais proprietários. E pensar que a partir de um objecto destes, para aqueles que foram dotados e deixaram correr a imaginação, poder ter nascido um livro.
Nota: Pode vê-la em exposição na Pó dos Livros.
Jaime Bulhosa
domingo, fevereiro 15
sábado, fevereiro 14
Charles Darwin



Para quem vai com os mais pequeninos deixo a sugestão de três livros para despertar a curiosidade:
"Henriqueta a Tartaruga de Darwin", José Jorge Letria e Afonso Cruz (ilustração), Texto Editora - uma tartaruga engraçada e muito faladora, habitante das Ilhas Galápagos que nos conta tudo sobre Charles Darwin e o seu trabalho.
O lindíssimo "A Árvore da Vida" de Peter Sís, que ganhou em 2004 o Prémio de Não-Ficção na Feira Internacional de Bolonha, editado pela Terramar.
E "Chamo-me...Charles Darwin", uma biografia da colecção "Chamo-me...", editada pela Didáctica.
Entretanto, vou começar a ler "A Viagem do Beagle-Viagem de um Naturalista à Volta do Mundo", Charles Darwin, editado pela Relógio D'Água, com tradução de Diniz Lopes e Miguel Serras Pereira e, fico à espera que alguém se lembre de contar e ilustrar esta aventura para os mais pequenos. Nessa altura, volto a falar dela aqui.
Débora Figueiredo
Namoro
- Desliga você.
- Não, desliga você.
- Você.
- Você.
- Então vamos desligar juntos.
- Tá. Conta até três.
- Um...Dois...Dois e meio...
Ridículo agora, porque na hora não era não. Na hora nem os apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra?, eram ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha. (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca...
Não havia coisa melhor do que passar tardes inteiras no sofá, olho no olho, dizendo.
- As dondozeira ama os dondonzeiro?
- Ama.
- Mas os dondonzeiro ama as dondonzeira mais do que as dondonzeira ama os dondonzeiro.
- Na-na-não. As dondonzeira ama os dondonzeiro mais do que etc..
E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de língua, beijos de amígdalas, beijos catetéticos. Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais.
Depois do ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só para ver se ela ou ele está com alguém, ou para fingir que não vê, ou para ver e ignorar, ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele agora significa tão pouco que podem até ser amigos, está mentindo. Ah, está mentindo.
E melhor do que as brigas são as reconciliações. Beijos ainda mais profundos, apelidos ainda mais lamentáveis, vistos de longe. A gente brigava mesmo era para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez namorados transam pela primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O IBGE tem as estatísticas.
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in Sexo na cabeça, de Luís Fernando Veríssimo, Dom Quixote
postado por Isabel Nogueira
sexta-feira, fevereiro 13
Guia da Barcelona de Carlos Ruiz Zafón

Autor: Doria, Sergi
quinta-feira, fevereiro 12
Aviso: Importante!

Assinado: A Gerência
Projecto/Lê

Todas as escolas deveriam ter um projecto destes:
Projecto/Lê é um blogue de incentivo à leitura dos alunos do 12º Ano da Escola Secundária de Serpa, Ana Aragão, Andreia Sebastião, João Pereira e Margarida Pires.
A Máscara do Comando

quarta-feira, fevereiro 11
Prego a fundo

terça-feira, fevereiro 10
O Homem Sem Qualidades


Sabem aquele cliché que diz que se detecta um bom escritor logo na primeira frase do seu livro e com apenas alguns capítulos lidos se percebe, imediatamente, se é ou não um bom livro. O Homem Sem Qualidades de Robert Musil é um desses casos. Começa-se a ler e logo se aprende mais nos primeiros capítulos do que em muitos livros juntos.
Deixo-vos com excerto do quarto capítulo que ilustra bem o que vos digo:
«Se quisermos passar sem problemas por portas abertas, é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este princípio, segundo o qual o velho professor sempre tinha vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de realidade. Ora, se existe um sentido de realidade – e ninguém duvidará de que ele tem direitos à existência -, então também tem de haver qualquer coisa a que possamos chamar o sentido de possibilidade.
Aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas inventará; isto ou aquilo poderia, deveria ter acontecido aqui. E quando lhe dizem que uma coisa é como é, ele pensa: provavelmente, também poderia ser diferente. Assim, poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza, débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito.»
segunda-feira, fevereiro 9
O grego germânico

Na linha de Richard Strauss, dir-se-ia que Frederico Lourenço (n. 1963) está a caminho de se tornar um "germanischer Grieche", ou seja, um grego germânico. Ele o reconhece em nota de abertura aos "Novos Ensaios Helénicos e Alemães", obra que de algum modo prolonga outra de há cinco anos, "Grécia Revisitada". A novidade reside no núcleo alemão, consequência do facto de as suas leituras "se estarem a centrar cada vez mais na literatura de língua alemã". Com efeito, Goethe, Schiller, Rilke, Mann, Hofmannsthal e outros são objecto da leitura empenhada de Lourenço, embora o ponto de partida continue a ser a cultura helénica, que tem no autor um notável divulgador (no sentido nobre do termo, pois releva de óbvias qualidades pedagógicas). São inéditos dez dos dezasseis ensaios do volume. Os restantes tiveram publicação avulsa em revistas académicas de circulação restrita.
Começando pelos gregos, destacaria o que escreveu a partir de "Ifigénia em Áulis", de Eurípides, bem como as "Reflexões sobre a cultura de Bizâncio". Trata-se de dois longos ensaios, centrado o primeiro na importância do prólogo, pretexto aproveitado por Lourenço para uma digressão pela história da filologia clássica, num amplo "tour d'horizon" que vem até E. R. Dodds, Matthew Wright, Susanne Aretz, Cyril Mango, etc.; e o segundo tomando Bizâncio como móbil das várias formas de intolerância religiosa, duas em particular: a islâmica e a cristã. A frase célebre de Lucas Notaras, testemunha do cerco turco de Constantinopla em 1453, dá a medida da intolerância no seio do Cristianismo: "Antes o turbante do muçulmano do que a mitra do cardeal romano." Sirva de exemplo de como o ensaísmo de Lourenço não dissocia uma sólida erudição das notações do quotidiano.
Outro louvável exemplo do seu à-vontade verifica-se no modo como assume a relação do académico (e, por extensão, dos leitores em geral) com a Internet: "Basta digitar no Google as palavras 'Iphigenia in Aulis' para se ver que os problemas literários, humanos e políticos levantados pela tragédia de Eurípides ainda fascinam leitores, espectadores de teatro e estudiosos [...] que situam a peça no contexto da guerra do Iraque." Não é o único que o faz, com certeza que não. Mas lá onde a maioria remete para notas de rodapé ou de fim de texto, Lourenço associa à narrativa o inventário em movimento da rede.
Frederico Lourenço
Cotovia, €22.
sexta-feira, fevereiro 6
Pó dos Livros na Rádio TSF

À revelia do Jaime que estava armado em tímido, pode ouvi-lo aqui, no programa Lido e Relido, de João Paulo Baltazar, da TSF.
Isabel Nogueira
O drama das pequenas livrarias independentes

Nós sabemos que vendemos pouco, que não representamos nada em termos percentuais nas vendas das grandes editoras ou distribuidoras e por isso muitas vezes somos relegados para segundo plano. Há mesmo quem divida os clientes em 1.ª, 2.ª e 3.ª categorias. Felizmente, nem todas as grandes editoras ou distribuidoras são assim, algumas fazem um trabalho exemplar junto dos pequenos livreiros; inclusivamente, quando por dificuldades de tesouraria (o que não é o caso) não pagamos a tempo e a horas, vêm ter connosco e propõem planos de pagamento mais alargados.
No entanto, modéstia à parte, fazemos mais pela divulgação da leitura do que muitas das grandes livrarias, nomeadamente em eventos que promovemos e na divulgação de livros na internet ou na blogosfera. Esse trabalho pode até não se reflectir em vendas de livros nas pequenas livrarias, mas pergunto: quantos livros por nós aconselhados são muitas vezes vendidos posteriormente noutros locais? Seria bom que alguns editores reflectissem sobre isto.
quinta-feira, fevereiro 5
Uma leitora compulsiva
Morena é uma cachorra rafeira que aparenta ser a única companheira de um sem-abrigo de que já falei aqui. Sempre que passa, entra e fareja os livros.
quarta-feira, fevereiro 4
Manuel Alberto Valente e o preço dos livros

Tanto cá como lá, o preço dos livros é calculado de acordo com os custos de produção (direitos, materiais, tradução, revisão, paginação, etc.) e principalmente com o número de exemplares impressos, e isso varia com a dimensão de cada mercado. Não creio que haja demasiada especulação quando se estipula o preço dos livros em Portugal (comercialmente, não interessa aos editores praticar um preço demasiado elevado). Sinceramente, penso que pagamos o preço justo, ou possível. Mas a meu ver a questão não se põe. Os livros até podem ser caros, mas só para quem quer adquirir o objecto. Porque a leitura, essa, é gratuita, basta pensarmos na quantidade de bibliotecas, ou até de livrarias, onde se pode estar confortavelmente a ler sem ninguém chatear. Contra nós falo, mas quem quiser ler gratuitamente pode fazê-lo na Pó dos livros, até temos sofá e um café. Depois, se fizer questão de ficar com o livro para recordação, pode adquiri-lo. Nós agradecemos.
Os bons livros escrevem-se assim, com ritmo
A Infância É Um Território Desconhecido


terça-feira, fevereiro 3
P.D.C.
Não batem à porta nem pedem licença, simplesmente entram e instalam-se. Depois, de mansinho, começam a fazer das suas. Ontem, por exemplo, aqui venderam-se menos cinco livros, na outra ponta da cidade, menos dez e do outro lado do rio, menos quinze, e assim por todo o lado. Mas, de facto, só damos por eles quando ganham corpo e nos telefonam:
[Maria, 40 anos, há dez nos livros] – Olá! sou eu, é só para me despedir e dizer que foi um prazer trabalhar convosco. Se souberem de alguma coisa, digam, por favor!
[Lurdes, 50 anos, há oito nos livros] – Então, já souberam? Pois, mudei de ramo, agora estou no ramo dos subsídios, dizem que já estou velha.
[Jorge, 60 anos, há 25 nos livros, orgulhosamente] - Não foram eles que me mandaram embora com a desculpa da dita, fui eu que já estava farto, PUTA DE CRISE!.
segunda-feira, fevereiro 2
Livros bizarros

A minha colega Débora contou-me uma história de um pedido bastante bizarro. Uma noite, estava ela completamente sozinha numa livraria de um centro comercial, já por si vazio e assustador, quando de repente entra um cliente que lhe pede um livro de terror. Como o pedido era vago, a Débora perguntou: «De terror como?... Fantástico ou género Edgar Allan Poe?» «Não! Quero mesmo daqueles que ensinam a cortar as pessoas aos bocados.» Felizmente, era mesmo de um livro de ficção que se tratava.
10.º-Técnica do Acto Sexual Projectivo
9.º- Manual da Anti-Ressurreição
3.º- Como Construir Túneis de Evasão
Jaime Bulhosa
Chegaram

Depois de tanto tempo à espera, finalmente chegaram os livros da Kalandraka e da Minutos de Leitura. Agora, que o espaço infantil está bem mais recheado, o difícil mesmo é escolher. Entre “A história da ressurreição do papagaio” e “Procura-se um amigo”, ou entre o “Pinguim carteiro” e “Aquiles o pontinho”, ou o “O coelhinho branco” e “As ideias da Bia”, espreitam nas prateleiras e nas bancadas da Pó dos livros mil e outras escolhas irresistíveis.
Deixo algumas imagens para abrir o apetite e dois links sobre livros infantis para mais ideias.
O livro infantil.


"A história da ressurreição do papagaio”, Eduardo Galeano e António Santos, Kalandraka
“Procura-se um amigo”, Klaus Baumgart, Minutos de Leitura
“Pinguim carteiro”, Debi Gliori, Minutos de Leitura
“Aquiles o pontinho”, Guia Risari e Marc Taeger, Kalandraka
“O coelhinho branco”, Kosé Ballesteros e Óscar Villán, Kalandraka
“As ideias da Bia”, Elisabeth Baguley e Gregoire Mabire, Minutos de Leitura
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Débora Figueiredo
domingo, fevereiro 1
Viver habitualmente

É que dentro da tradição americana da literatura realista e burguesa, Yates é dos autores mais importantes, embora sem a sofisticação, por exemplo, de um John Cheever. Os seus sete romances e duas colectâneas de contos têm um enredo definido, uma sequência cronológica, linguagem acessível, ecos autobiográficos, e uma obsessão com a decepção e o fracasso, nomeadamente conjugal. É o Sonho Americano em chave doméstica.
"Revolutionary Road" (1961) foi o primeiro romance de Yates, e continua o seu título mais conhecido, embora alguns Yatesianos prefiram "The Easter Parade" (1976) ou os contos. A estreia do filme de Sam Mendes justificou a edição do romance em português, infelizmente numa tradução que várias vezes demonstra um ouvido duro em diálogos e coloquialismos.
A acção decorre em 1955. Frank e April Wheeler são um casal à beira dos trinta que vive no Connecticut. Ela é uma actriz frustrada e ele trabalha num emprego burocrático que detesta. Têm alguma estabilidade financeira, uma boa casa, dois filhos, um grupo de amigos, mas sentem o tédio e a insatisfação dos burgueses inteligentes. Yates constrói na perfeição cenas de conjunto que revelam o fiasco daquelas vidas: April num teatrinho amador desastroso (fazendo "uma imitação de Bovary"); Frank no seu escritório rodeado de relatórios (e a pensar que está "quase na altura de descer para tomar café; quase na altura de almoçar; quase na altura de ir"). Moram num bairro pacato, daqueles com aspersores nos relvados e casas com garagem, e organizam serões com os amigos para conversas triviais ou pretensiosas (os "temas indefinidos mas infinitamente absorventes do Conformismo, ou dos Subúrbios, ou da Madison Avenue, ou da Sociedade Americana Actual").
(Continuar a ler)
Richard Yates
Tradução de Isabel Baptista. Civilização, €17.